Da próxima vez....
O Parlamento reabriu esta semana. Muitos dos nomes sonantes que deveriam ocupar o seu lugar de deputados já se prevê que não o farão ou, se o fizerem, não estarão lá a tempo inteiro. Pedro Santana Lopes já anunciou através de terceiros que não tenciona ir para São Bento, ou pelo menos para «este» São Bento, e António Vitorino prepara-se para tomar conta de um dos grandes escritórios de advocacia de Lisboa, o de André Gonçalves Pereira, o que certamente não lhe deixará muito tempo livre para a discussão parlamentar.
A verdade é que, de ano para ano, o Parlamento tem perdido a dignidade e o respeito dos cidadãos, até dos cidadãos que se sentam na sua bancada e que, na maior parte das vezes, acumulam essas funções com outras mais rentáveis. O sistema eleitoral português, que faz de cada deputado um inimputável perante o círculo que o elegeu e que faz de cada membro de um grupo parlamentar um grupo de docilidades e votante subserviências, determina este estado de coisas.
No hemiciclo de São Bento sentam-se algumas luminárias e muitas nódoas políticas, e os discursos e processos de discussão e aprovação de leis e de prestação de contas do Governo, há muito deixaram de interessar quem quer que seja. De vez em quando, a propósito de um momento mais difícil do Executivo, o Parlamento volta a ser centro das atenções mas, a maior parte do tempo, é apenas um torpor entediado e uma desolação de bancadas vazias.
A consolidação da democracia abona a favor desta falta colectiva mas, mesmo consolidada, a democracia parlamentar é o eixo do regime. Governos com maiorias absolutas têm tendência a ligar menos ao Parlamento, e o Parlamento maioritário tem tendência a ligar menos ao Governo que sustenta. Repare-se que só um pequeno partido, o Bloco de Esquerda, tem cumprido escrupulosamente os deveres da vida parlamentar, e esteve praticamente sozinho durante meses a fazer oposição ao Governo de Durão Barroso. A atitude rendeu-lhe dividendos políticos e um número apreciável de novos deputados. O PCP também tem «esprit de corps» mas, os dois maiores partidos, o PS e o PSD, que elegem nulidades várias para os lugares de deputados, não se preocupam muito com a qualidade da prestação, como se diz agora.
Com Jaime Gama a presidir à nova Assembleia da República, seria desejável que este novo Parlamento fosse mais cuidadoso com a sua imagem de desleixo. Que não tivesse muitas faltas. E que exercesse os deveres de escrutínio e vigilância do regime para que foi criado. Atitudes legislativas como a da despenalização do aborto deveriam ser tomadas em sede parlamentar e não por referendo. Afinal, um parlamento em pleno exercício das suas funções cívicas e políticas, está mais do que apetrechado para legislar sobre matérias ditas de «consciência». Haverá sempre quem vote contra o seu partido, e quem vote a favor do partido da oposição. Ou haveria, se os grupos parlamentares não se comportassem como teatros de marionetas.
Clara Ferreira Alves
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