Estudar a Coisa
Quem pensa que a política sexual é um forçado e obscuro conceito académico, deveria fazer uma pesquisa sobre a actual campanha eleitoral portuguesa para perceber como ela existe mesmo. Mais: para perceber quão central ela é.
Temos um primeiro-ministro que decide fazer da sua heterossexualidade e do seu modelo de relacionamentos um valor acrescentado para angariar votos junto dum campo social dominado por conceitos hegemónicos de género e sexualidade. Temos uma sociedade inteira a congeminar e disseminar boatos não só sobre a orientação sexual do principal candidato da oposição, como sobre os nomes dos hipotéticos companheiros. Temos o dirigente de um partido de direita e ministro da coligação no governo proclamando valores conservadores de género e sexualidade e apoiando uma política do armário que passa erroneamente por respeito pela privacidade. Temos até um dirigente do único partido com uma agenda emancipatória nas questões LGBT a gerar, a partir duma infeliz frase, uma catadupa de reacções hipócritas falsamente simpatizantes da liberdade e direitos sexuais. E por aí fora.
Esta campanha revela, como poucos outros "dramas sociais", as estruturas profundas marcadas pelo heterossexismo, o desprezo pelas questões de género (já repararam como, ao contrário de Espanha, a agenda da violência de género não apareceu nos elevados debates dos últimos dias?), a homofobia estrutural e o armário. Com todas as consequências que isto tem: um clima de alusão, boato, intriga e dependência das opiniões políticas e decisões de voto da apreciação subjectiva das condutas amorosas dos candidatos - todo o contrário do dito respeito pela privacidade.
Tão grave como isto, é constatar que esta é a gramática com que funcionamos. Esta é a nossa triste gramática de política sexual. Compare-se com duas outras. Tanto a campanha eleitoral estadunidense como a espanhola foram marcadas por questões de género e sexualidade. No primeiro caso, a gramática é a dos valores de cariz religioso e dos valores da liberdade individual. Podemos não gostar dela, dos seus termos e até da dependência dos adversários do fundamentalismo (Kerry, por exemplo...) em relação aos termos estabelecidos pela América profunda. Mas a verdade é que é uma gramática pública: os termos do debate são conhecidos, abertos, postos na mesa e é em torno deles que se discute. No caso espanhol, a gramática é - ainda ou outra vez - a das duas Espanhas, do conservadorismo Opus Dei da meseta e da herança do franquismo, versus o progressivismo anticlerical, republicano e ferozmente libertário. Também ele pode ser limitado, mas cria um espaço semântico público em que a discussão é feita.
Entre nós que temos? O reino do desprezo pelas questões femininas (incluindo o efeito de hegemonia que é as mulheres babadas em Braga com PSL...), o efeito do armário e da homofobia preemptiva, o boato: tudo coisas que não são postas em cima da mesa, que não são dizíveis com transparência, que dependem da alusão e das leituras de segundo nível. Em suma, obscuridade (para não dizer obscurantismo) quase absoluta.
Por favor, há algum sociólogo, antropólogo ou politólogo out there que queira estudar esta coisa?
Temos um primeiro-ministro que decide fazer da sua heterossexualidade e do seu modelo de relacionamentos um valor acrescentado para angariar votos junto dum campo social dominado por conceitos hegemónicos de género e sexualidade. Temos uma sociedade inteira a congeminar e disseminar boatos não só sobre a orientação sexual do principal candidato da oposição, como sobre os nomes dos hipotéticos companheiros. Temos o dirigente de um partido de direita e ministro da coligação no governo proclamando valores conservadores de género e sexualidade e apoiando uma política do armário que passa erroneamente por respeito pela privacidade. Temos até um dirigente do único partido com uma agenda emancipatória nas questões LGBT a gerar, a partir duma infeliz frase, uma catadupa de reacções hipócritas falsamente simpatizantes da liberdade e direitos sexuais. E por aí fora.
Esta campanha revela, como poucos outros "dramas sociais", as estruturas profundas marcadas pelo heterossexismo, o desprezo pelas questões de género (já repararam como, ao contrário de Espanha, a agenda da violência de género não apareceu nos elevados debates dos últimos dias?), a homofobia estrutural e o armário. Com todas as consequências que isto tem: um clima de alusão, boato, intriga e dependência das opiniões políticas e decisões de voto da apreciação subjectiva das condutas amorosas dos candidatos - todo o contrário do dito respeito pela privacidade.
Tão grave como isto, é constatar que esta é a gramática com que funcionamos. Esta é a nossa triste gramática de política sexual. Compare-se com duas outras. Tanto a campanha eleitoral estadunidense como a espanhola foram marcadas por questões de género e sexualidade. No primeiro caso, a gramática é a dos valores de cariz religioso e dos valores da liberdade individual. Podemos não gostar dela, dos seus termos e até da dependência dos adversários do fundamentalismo (Kerry, por exemplo...) em relação aos termos estabelecidos pela América profunda. Mas a verdade é que é uma gramática pública: os termos do debate são conhecidos, abertos, postos na mesa e é em torno deles que se discute. No caso espanhol, a gramática é - ainda ou outra vez - a das duas Espanhas, do conservadorismo Opus Dei da meseta e da herança do franquismo, versus o progressivismo anticlerical, republicano e ferozmente libertário. Também ele pode ser limitado, mas cria um espaço semântico público em que a discussão é feita.
Entre nós que temos? O reino do desprezo pelas questões femininas (incluindo o efeito de hegemonia que é as mulheres babadas em Braga com PSL...), o efeito do armário e da homofobia preemptiva, o boato: tudo coisas que não são postas em cima da mesa, que não são dizíveis com transparência, que dependem da alusão e das leituras de segundo nível. Em suma, obscuridade (para não dizer obscurantismo) quase absoluta.
Por favor, há algum sociólogo, antropólogo ou politólogo out there que queira estudar esta coisa?
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