domingo, fevereiro 13, 2005


A censura não é processo de coacção da liberdade de expressão exclusivo do Antigo Regime nem dos regimes políticos totalitários.
É a máquina intrínseca de todos os sistemas de poder.
Habitualmente, considera-se a liberdade de expressão como uma componente dos regimes democráticos e a censura como componente exclusiva dos regimes totalitários
Há por exemplo a modalidade da censura guerreira, a modalidade despótica, a modalidade democrática.
Na modalidade guerreira predominam os mecanismos estratégicos da defesa e do ataque em relação a um inimigo e da ordem interna destinada a preservar a coesão do tecido social.
Tudo o que intentar contra esta ordem e contra esta estratégia é impensável ou condenado à morte.
Na modalidade despótica, a ordem ditada pelo déspota é a proibição dos discursos que escapam ao seu controlo.
O poder vive hoje do discurso mítico da liberdade de expressão plena, da pretensa transparência impossível dos seus processos
Por que é que nós falamos, no fundo? Falamos precisamente porque nunca conseguimos dizer tudo, porque o tudo é o impossível, o impensável, porque o mundo não é transparente nem as palavras coincidem com as coisas.
Falamos porque estamos condenados à permanente descoberta do que nos é desconhecido e que vamos descobrindo à medida que o enunciamos, que o dizemos. É que há um abismo intransponível entre as palavras e as coisas, entre o ser e o dizer.
Neste abismo, nesta diferença e neste diferimento, nesta terra de ninguém que se estende diante de nós, é que precisamente se instala o poder, o outro da linguagem, com a espada censurante suspensa sobre as nossas cabeças, ao mesmo tempo proibindo e obrigando a dizer. É que censurante é tanto a proibição de dizer como a obrigação de dizer

Revista de Comunicação e Linguagens